Após uma pequena primeira missão voltámos a casa com a necessidade de lá voltar. Transcende-nos e deixaremos tudo para trás para ficar ali, segurando mãos que imploram ser agarradas. Quatro de nós com percursos diversos unidos por este único propósito que deveria agitar todas as almas viventes: humanidade. O nosso objectivo é permanecer no campo por 90 dias, o período que a lei permite que permaneçamos na Macedónia. Buscamos agora o auxílio de outros, não para financiar uma estadia turística,...
“Foi fixe? Gostaste?" - as pessoas perguntam uma e outra vez, sem se darem conta de como a pergunta me revolta as entranhas. É como um soco no rosto. Permaneço calada por alguns instantes, respiro fundo e forço-me a ser o outro que, no fundo, só quer saber, mas por não saber melhor escolhe as palavras erradas.
Bem-vindos ao inferno - disseram-nos e aprendam rápido. E nós aprendemos rápido.
Todas as noites agora fecho os olhos e penso: quantos comboios chegaram?
Quantos grupos chegaram? Há roupa que chegue?
Quem fala com eles sobre as opções?
Quem partilha as suas histórias para que não sejam esquecidas?
Estou de volta ao meu emprego, que adoro, mas tudo parece vazio...porque aprendi rápido. Aprendi rápido.
"Foi fixe? Gostaste?" - Inspiro. Todos os rostos desfilam para mim outra vez, e outra vez de novo. Os nomes...confundo os nomes. Penso naquele casal afegão que traz um bebé, uma menina de sete meses. Não querem nada para eles próprios, "mas irmã, por favor, se nos pudesses dar roupa limpa para o bebé. Desculpa pedir, mas ela está suja por causa da fralda. Desculpa irmã."
A menina não estava um pouco suja. Era mais como se a sua roupa interior fosse um trapo imundo. Veio assim desde a Grécia porque não havia roupa para ela em Indomeni. Ela chora, a mãe chora. O pai caminha com a cabeça baixa. Eles lamentam, pedem desculpa. Apenas pedem roupa limpa e pedem desculpa.
"Foi fixe? Gostaste?" - Vejo a primeira família que lá conheci. Vêm da Síria. Dois irmãos viajam com suas mulheres e filhos, dois de cada casal. "Irmã, desculpa, podes dizer-nos quando virá o próximo comboio?"
"Nunca sabemos, meu irmão, têm só que esperar aqui até que a polícia os chame para a linha." Esperámos juntos durante algum tempo e ele contou-me a sua história, de como vendeu a sua vida para fugir da guerra, de como ele nunca irá voltar, porque tudo o que um dia amou é agora testemunho de um pesadelo. Eu falo-lhe de Portugal, de Espanha, da Holanda...ele fica confuso. Eles pensam que só a Alemanha e a Bélgica estão a receber pessoas. "Porque é que não existe um sistema?
Porque não existem pontos de informação em cada campo para que nós saibamos melhor?
Porque não falam eles connosco como tu?". Olho para baixo sentindo vergonha da minha Europa do primeiro mundo...ele entende e diz que lamenta. Pede desculpa porque espera tratamento humano. Ele pede desculpa.
"Foi fixe? Gostaste?" - Não. Entendo a confusão que se faz na cabeça das pessoas. Eu entendo. Forço-me a aceitar esta pergunta. Mas os vossos corações deveriam saber: Agonia-me. Dá-me ganas de gritar. Envergonha-me. Não foi de todo fixe. Não houve nada para gostar. Mas ali ficaram o meu coração e a minha alma e por isso tenho que lá voltar, porque quando testemunhas não mais podes ignorar.